Abertura da Sucessão: Quando e Como Ocorre a Transmissão da Herança

A morte é um evento natural e inevitável que, para além da dor e da saudade, desencadeia importantes consequências no âmbito jurídico, especialmente no que tange ao destino do patrimônio deixado pelo falecido. 

No Direito das Sucessões, o momento crucial que inicia a transferência desse patrimônio é denominado abertura da sucessão.

Compreender precisamente quando e como essa abertura ocorre é fundamental para todos os envolvidos no processo sucessório, sejam eles herdeiros necessários ou facultativos, legatários, testamentários ou credores do falecido.

Este artigo visa elucidar de forma clara e objetiva o conceito de abertura da sucessão, detalhando o momento exato em que ela se concretiza, o local onde se considera aberta e os principais desdobramentos jurídicos que dela decorrem. 

Abordaremos os conceitos basilares do Direito das Sucessões, como o princípio da saisine, a distinção entre sucessão legítima e sucessão testamentária, a figura do de cujus, do espólio e da herança.

O que é a abertura da sucessão?

No cerne do Direito das Sucessões reside a questão de como o patrimônio de uma pessoa falecida será transferido para seus sucessores. 

A abertura da sucessão é o marco inicial desse processo, representando o instante jurídico em que ocorre a transmissão da herança aos herdeiros. 

É o momento em que a lei considera que o patrimônio do de cujus (expressão latina que significa “aquele de cuja sucessão se trata”) passa, ainda que de forma indivisa e provisória, para seus sucessores.

A relevância da abertura da sucessão é inegável, pois a partir dela se definem diversos aspectos cruciais do processo sucessório, tais como:

  • A lei aplicável: A lei vigente no momento da abertura da sucessão é a que regerá todo o processo de transmissão da herança.
  • A capacidade para suceder: Apenas as pessoas vivas ou já concebidas (nascituro) ao tempo da abertura da sucessão possuem capacidade para herdar.
  • A fixação da competência do juízo: O foro do domicílio do de cujus é o competente para processar o inventário e a partilha dos bens.
  • A determinação dos herdeiros: A relação de parentesco ou a existência de um testamento válido no momento da abertura da sucessão definirão quem são os herdeiros e legatários.
  • O surgimento do espólio: Com a abertura da sucessão, o conjunto de bens, direitos e obrigações do falecido forma o espólio, que será administrado até a partilha.

Quando e onde acontece a abertura da sucessão?

A determinação precisa do momento e do local da abertura da sucessão é essencial para a correta aplicação das normas do Direito das Sucessões.

O momento da abertura da sucessão:

Conforme o artigo 1784 do Código Civil brasileiro, a abertura da sucessão ocorre no instante da morte do de cujus

Esse momento é crucial e independe de qualquer formalidade ou manifestação de vontade dos herdeiros. 

A transmissão da herança se opera automaticamente com o óbito, por força de lei. A comprovação da morte se dá através da apresentação da certidão de óbito.

É importante ressaltar que a data e a hora do falecimento, constantes na certidão de óbito, são os marcos temporais que definem a abertura da sucessão. 

Qualquer evento posterior, como a lavratura do testamento (caso ainda não tenha sido feito) ou a manifestação de aceitação ou renúncia da herança pelos herdeiros, não altera o momento da abertura.

O local da abertura da sucessão:

O artigo 1785 do Código Civil estabelece que o lugar da abertura da sucessão é o último domicílio do falecido. 

Essa definição é de suma importância para determinar o foro competente para a instauração do processo de inventário e partilha dos bens. A regra geral é que a ação de inventário seja proposta no juízo do último domicílio do de cujus.

A determinação do último domicílio segue as regras gerais do Direito Civil, sendo considerado o local onde a pessoa estabeleceu sua residência com ânimo definitivo. 

Em casos excepcionais, como quando o falecido não possuía domicílio certo, a lei prevê regras específicas para a fixação da competência.

De cujus, espólio e herança Jacente: Conceitos fundamentais

Para compreender o processo de abertura da sucessão, é imprescindível familiarizar-se com alguns termos jurídicos essenciais:

  • De Cujus: Como já mencionado, essa expressão latina refere-se à pessoa falecida, aquela de cuja sucessão se trata. É o autor da herança, cujo patrimônio será transmitido aos seus sucessores.
  • Espólio: Com a abertura da sucessão, o conjunto de bens, direitos e obrigações que pertenciam ao de cujus forma o espólio. Trata-se de uma universalidade de bens indivisível até a partilha. O espólio é representado pelo inventariante, nomeado judicialmente no processo de inventário ou extrajudicialmente por escritura pública, que tem a responsabilidade de administrar os bens e praticar os atos necessários à liquidação do patrimônio e à sua posterior distribuição entre os herdeiros.
  • Herança Jacente: Em algumas situações, após a abertura da sucessão, não se conhecem herdeiros ou o testamento é considerado inválido. Nesses casos, a herança é declarada jacente, ficando sob a guarda, conservação e administração de um curador nomeado pelo juiz. A herança jacente é uma fase transitória, que antecede a declaração de vacância, caso não apareçam herdeiros habilitados no prazo legal.

Princípio da saisine: A transmissão automática da herança

Um dos pilares do Direito das Sucessões é o princípio da saisine, consagrado no já citado artigo 1784 do Código Civil. 

Esse princípio estabelece que, no exato momento da morte do de cujus, a posse e a propriedade dos seus bens se transmitem automaticamente aos seus herdeiros, independentemente de qualquer ato ou formalidade.

A saisine opera de pleno direito (ipso iure), ou seja, a transmissão ocorre por força da lei, sem a necessidade de manifestação de vontade dos herdeiros. 

Essa transmissão é provisória e indivisa, permanecendo assim até a conclusão do processo de inventário e a efetiva partilha dos bens.

O princípio da saisine tem como objetivo evitar a solução de continuidade na titularidade dos bens, garantindo que o patrimônio do falecido não fique sem um titular. 

Os herdeiros, mesmo antes da formalização da partilha, já são considerados possuidores indiretos dos bens da herança.

Sucessão legítima e testamentária: Diferenças e regras

A transmissão da herança pode ocorrer de duas formas: por disposição de última vontade do falecido, através de um testamento (sucessão testamentária), ou por força da lei, seguindo a ordem estabelecida no Código Civil (sucessão legítima).

  • Sucessão Legítima: Ocorre quando o de cujus falece sem deixar testamento válido ou quando o testamento não abrange a totalidade dos seus bens. Nesse caso, a lei define quem são os herdeiros e a ordem em que serão chamados a suceder. A ordem de vocação hereditária, prevista no artigo 1829 do Código Civil, estabelece que os primeiros a serem chamados são os descendentes (filhos, netos, etc.) em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente, salvo algumas exceções. Na ausência de descendentes, são chamados os ascendentes (pais, avós, etc.) em concorrência com o cônjuge ou companheiro. Não havendo descendentes nem ascendentes, o cônjuge ou companheiro sobrevivente herda a totalidade da herança. Na falta destes, são chamados os colaterais até o quarto grau (irmãos, sobrinhos, tios, primos).
  • Sucessão Testamentária: Ocorre quando o de cujus manifesta sua última vontade através de um testamento válido, dispondo sobre a destinação dos seus bens após a sua morte. O testador pode instituir herdeiros (que recebem uma parte ideal da herança) e legatários (que recebem bens específicos). A sucessão testamentária está sujeita a algumas limitações legais, como a obrigatoriedade de respeitar a legítima dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), que corresponde a 50% do patrimônio do testador.

Inventário e partilha: O que acontece após a abertura da sucessão?

Embora a transmissão da herança ocorra automaticamente com a morte, por força do princípio da saisine, a regularização dessa transmissão e a efetiva distribuição dos bens entre os herdeiros dependem da realização do processo de inventário e partilha.

O inventário é um procedimento judicial ou extrajudicial que tem como objetivo apurar todos os bens, direitos e obrigações do falecido, bem como identificar os herdeiros e eventuais credores. 

É nesse procedimento que se descreve o patrimônio do de cujus, se avaliam os bens, se pagam as dívidas e os impostos devidos, e se formaliza a transmissão da propriedade aos herdeiros.

Após a conclusão do inventário, realiza-se a partilha, que consiste na divisão dos bens da herança entre os herdeiros, de acordo com as suas quotas hereditárias ou as disposições testamentárias. 

A partilha pode ser amigável, quando os herdeiros estão de acordo, ou judicial, quando há divergências entre eles.

Lembre-se:

A abertura da sucessão é, portanto, o ponto de partida para todo o processo de transmissão da herança. 

É o momento em que a lei estabelece a transferência do patrimônio do falecido aos seus sucessores, dando início a uma série de etapas legais que culminarão na efetiva distribuição dos bens através do inventário e da partilha. 

Compreender a dinâmica da abertura da sucessão é essencial para garantir que os direitos dos herdeiros sejam respeitados e que a transmissão do patrimônio ocorra de forma justa e eficiente.

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Autor:

Dr. Antonio Carlos Ramos Pinto

Responsável técnico pelo Ramos Pinto
Advocacia e editor do portal Direito da Família. É
advogado e docente de ensino superior com
mais de 30 anos de experiência, exercendo suas
atividades profissionais em direito de família e
sucessões, direito constitucional e gestão
educacional.

Ramos Pinto Advocacia

Sua atuação jurídica é baseada no exercício de um Direito ético, humano, compreensível
e empático, sempre atento às necessidades específicas dos clientes e suas famílias.

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