A indagação sobre a possibilidade de requerer a herança enquanto o pai ainda vive ecoa na mente de muitas pessoas, sejam elas de ordem financeira, de organização patrimonial futura ou até mesmo por tensões familiares.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece diretrizes bem definidas acerca da transmissão de bens hereditários, restringindo significativamente a prerrogativa de pleitear a herança com o patriarca em vida.
Vamos estudar se posso requerer minha herança com meu pai vivo, com base no Código Civil, distinguindo os conceitos de herança, doação em vida e antecipação legítima.
O que diz a lei sobre herança com o pai vivo?
O alicerce do direito sucessório pátrio reside no princípio da saisine, esculpido no artigo 1784 do Código Civil.
Tal princípio postula que com o falecimento do pai, a posse e a propriedade de seus bens são transmitidas de forma automática aos seus herdeiros, tanto os legítimos (determinados por lei) quanto os testamentários (indicados em testamento).
Destarte, a herança somente se torna acessível e passível de ser formalmente requerida após a ocorrência do óbito do titular do patrimônio.
Consequentemente, a resposta direta à pergunta “posso requerer minha herança com meu pai vivo?” é, em regra, negativa.
A legislação não ampara a pretensão de exigir a partilha de bens de uma pessoa viva sob o título de herança.
A herança emerge como uma consequência jurídica do evento morte, e enquanto o indivíduo estiver vivo, ele detém a plena capacidade de usar, fruir e dispor de seu patrimônio da maneira que melhor lhe convier.
Doação em vida x herança: Qual a diferença?
É de suma importância traçar uma linha divisória clara entre o conceito de herança e a doação em vida.
Enquanto a herança consubstancia a transmissão de bens em razão da morte, a doação em vida configura um ato de liberalidade por meio do qual uma pessoa transfere gratuitamente bens para outra durante o período em que ambas estão vivas.
A doação em vida é um instrumento jurídico válido e pode representar uma via para transferir patrimônio aos filhos ou outros parentes antes do falecimento.
Contudo, essa transferência não se qualifica como recebimento de herança, mas sim como uma liberalidade sujeita a normativas e limites específicos previstos no Código Civil.
Como funciona a antecipação de legítima?
No âmbito da doação em vida, desponta o conceito de antecipação de legítima.
A legítima representa a porção da herança (metade dos bens) que a lei reserva compulsoriamente aos herdeiros necessários: descendentes (filhos, netos), ascendentes (pais, avós) e cônjuge/companheiro.
Quando um genitor doa um bem a um de seus herdeiros necessários, essa doação pode ser interpretada como um adiantamento da parcela que lhe caberia na herança.
No momento da abertura do inventário (após o falecimento do doador), o bem doado será trazido à colação, ou seja, será considerado no cálculo da legítima com o objetivo de equalizar as quotas hereditárias dos demais herdeiros necessários.
É crucial enfatizar que a antecipação de legítima depende da vontade do doador em efetuar a doação. Nenhum herdeiro possui o direito de compelir o pai a doar seus bens em vida sob o argumento de antecipação de herança.
Partilha de bens em vida: O que é permitido?
Outra modalidade de disposição patrimonial em vida reside na partilha de bens em vida.
Esse procedimento, amparado pelo artigo 2018 do Código Civil, faculta ao ascendente (pai ou mãe) realizar a partilha de seus bens entre os descendentes, seja por meio de ato entre vivos ou por testamento.
A partilha em vida configura um negócio jurídico formal, que usualmente demanda escritura pública e a anuência de todos os herdeiros necessários, maiores e capazes.
Essa modalidade pode se revelar uma ferramenta valiosa para o planejamento sucessório, prevenindo futuros litígios e organizando a distribuição do patrimônio em consonância com a vontade do patriarca.
Entretanto, assim como na doação, a partilha em vida está condicionada à iniciativa e à concordância do titular dos bens. Os herdeiros não podem exigir essa partilha enquanto o pai estiver vivo.
Direitos dos demais herdeiros e possíveis conflitos
Ao ponderar a doação em vida ou a partilha de bens, torna-se imprescindível observar os direitos dos demais herdeiros necessários. A lei salvaguarda a legítima, assegurando que todos os herdeiros obrigatórios recebam sua quota parte da herança.
Caso a doação em vida ultrapasse a parcela disponível do patrimônio do doador (aquela que não integra a legítima), ela poderá ser considerada inoficiosa e sofrer redução no momento do inventário para resguardar os direitos dos demais herdeiros.
De modo análogo, na partilha em vida, é imperativo respeitar a legítima de todos os herdeiros necessários.
A ausência de clareza e o desrespeito aos direitos dos herdeiros podem deflagrar sérios conflitos familiares e prolongadas disputas judiciais após o falecimento do patriarca.
Por essa razão, qualquer movimentação patrimonial em vida deve ser conduzida com cautela, transparência e, preferencialmente, com o acompanhamento de um advogado especializado em direito sucessório.
Precisa de advogado ou escritura para doação?
A formalização da doação de bens imóveis cujo valor exceda 30 salários mínimos exige a lavratura de escritura pública em cartório de notas, em consonância com o artigo 108 do Código Civil.
Para bens móveis, a lei não impõe uma forma específica, mas a elaboração de um contrato escrito pode conferir maior segurança jurídica.
No que concerne à partilha de bens em vida, a legislação também requer escritura pública, dada a natureza dos bens envolvidos e a necessidade de formalizar a transferência de propriedade.
Em ambos os cenários, é altamente recomendável o acompanhamento de um advogado especializado em direito sucessório.
O profissional poderá oferecer orientação sobre os aspectos legais da doação ou partilha, assegurar o cumprimento de todos os requisitos legais, proteger os direitos de todas as partes envolvidas e mitigar os riscos de futuros litígios.
Lembre-se:
A afirmação de que posso requerer minha herança com meu pai vivo não encontra respaldo legal no ordenamento jurídico brasileiro. A transmissão da herança somente se efetiva com o óbito.
Contudo, existem mecanismos como a doação em vida e a partilha de bens em vida que viabilizam a transferência de patrimônio antes do falecimento, desde que observados os limites legais e os direitos dos demais herdeiros necessários.
A prudência, a transparência e o aconselhamento jurídico especializado são pilares essenciais ao lidar com essas questões delicadas, visando evitar conflitos familiares e garantir a segurança jurídica das transações.