Imóvel de herança: O cônjuge tem direito? Saiba o que diz a lei

A perda de um ente querido é um momento delicado, e quando envolve a partilha de bens, especialmente um imóvel de herança, diversas dúvidas podem surgir para o cônjuge sobrevivente. 

A legislação brasileira busca amparar o cônjuge, mas a extensão de seus direitos sobre o patrimônio deixado pelo falecido varia significativamente dependendo de alguns fatores cruciais.

Por isso, para saber se no imóvel de herança o cônjuge tem direito é preciso verificar o regime de bens adotado no casamento ou união estável, a existência de outros herdeiros (como filhos) e até uma possível separação de fato.

Neste artigo, exploraremos se o cônjuge sobrevivente tem direito ao imóvel de herança, explicando a diferença fundamental entre meação e herança, e abordando situações específicas como o usufruto vitalício e a possibilidade de venda do bem.

 

O que é meação e quando ela se aplica?

Para entender se no imóvel de herança o cônjuge tem direito, é primordial distinguir os conceitos de meação e herança

A meação refere-se à parte dos bens que pertence a cada cônjuge em decorrência do regime de bens adotado no casamento. 

Em regimes como o da comunhão universal de bens ou o da comunhão parcial de bens (em relação aos bens adquiridos onerosamente durante o casamento), o patrimônio construído em conjunto pertence a ambos os cônjuges em partes iguais. 

Portanto, com o falecimento de um deles, a metade desse patrimônio comum já era, por direito, do cônjuge sobrevivente – essa é a sua meação.

 

A herança é o resultado do espólio, ou seja, o conjunto de bens, direitos e obrigações que o falecido deixa e que será transmitido aos seus herdeiros. 

O cônjuge sobrevivente pode ser tanto meeiro quanto herdeiro, dependendo do regime de bens e da existência de outros herdeiros necessários (descendentes, ascendentes).

Nos regimes de comunhão universal de bens e comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente tem direito à sua meação sobre os bens comuns. 

Nos bens particulares do falecido (adquiridos antes do casamento ou recebidos por doação ou herança durante a união), o cônjuge sobrevivente concorrerá com os demais herdeiros na partilha, recebendo uma parte desses bens a título de herança.

 

No regime de separação total de bens, não há meação, pois não há bens comuns, mas é necessário verificar se o regime é da separação convencional de bens (vontade do casal) ou da separação obrigatória de bens (vontade da lei).

Na separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os demais herdeiros (descendentes ou ascendentes) na herança dos bens particulares do falecido. 

Se não houver descendentes nem ascendentes, o cônjuge sobrevivente será o único herdeiro, tanto na convencional quanto na separação obrigatória de bens.

 

Regime de bens: O que ele define na herança?

Como vimos, para saber se no imóvel de herança o cônjuge tem direito, o regime de bens escolhido no casamento é determinante. Vamos detalhar como cada regime impacta essa situação:

  • Comunhão Universal de Bens: Nesse regime, todos os bens presentes e futuros dos cônjuges se comunicam, tornando-se patrimônio comum do casal. Com o falecimento de um dos cônjuges, metade do imóvel (mesmo que tenha sido originalmente adquirido por herança) já pertence ao cônjuge sobrevivente a título de meação. A outra metade constitui a herança e será dividida entre os herdeiros, incluindo o cônjuge sobrevivente (que concorrerá com os descendentes ou ascendentes).

  • Comunhão Parcial de Bens: Neste regime, comunicam-se apenas os bens adquiridos onerosamente durante o casamento. O imóvel de herança, por ter sido recebido gratuitamente, é considerado bem particular do cônjuge falecido. Nesse caso, o cônjuge sobrevivente não terá meação sobre esse imóvel, mas concorrerá com os descendentes ou ascendentes do falecido na partilha desse bem a título de herança. A lei assegura ao cônjuge sobrevivente, no mínimo, um quarto da herança quando concorrer com descendentes.

  • Separação Total de Bens: Aqui, não há comunhão de bens. Cada cônjuge mantém a propriedade exclusiva de seus bens, tanto os adquiridos antes quanto durante o casamento. Se o imóvel de herança era de propriedade exclusiva do cônjuge falecido, o cônjuge sobrevivente não terá direito à meação, mas concorrerá com os descendentes ou ascendentes do falecido na herança desse bem na hipótese de separação convencional de bens. Na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente herdará a totalidade do imóvel (independe do regime de separação).

 

Separação de fato: O cônjuge ainda tem direito?

A situação de separação de fato no momento do falecimento pode impactar significativamente se no imóvel de herança o cônjuge tem direito.

A legislação brasileira estabelece que o cônjuge separado judicialmente ou de fato perde o direito à herança, salvo se a separação tiver ocorrido por culpa exclusiva do falecido.

Portanto, se o casal estava separado de fato no momento da morte de um dos cônjuges, o sobrevivente, em regra, não terá direito a herdar os bens deixados, incluindo o imóvel de herança. 

É importante ressaltar que a simples separação de corpos ou o fim do convívio marital sem formalização legal (divórcio ou reconhecimento e dissolução de união estável) pode ser suficiente para a exclusão do direito à herança.

Essa regra visa proteger a vontade presumida do falecido, que, ao se separar de fato, demonstra a intenção de romper os laços matrimoniais e patrimoniais com o cônjuge. 

No entanto, a comprovação da separação de fato e, em alguns casos, da culpa exclusiva do falecido pela separação, pode gerar discussões judiciais complexas, inclusive quando a separação tem menos de 2 anos.

 

Cônjuge sobrevivente pode vender o imóvel herdado?

A possibilidade de o cônjuge sobrevivente vender um imóvel recebido por herança depende de diversos fatores, principalmente da conclusão do processo de inventário e da formalização da partilha dos bens.

Após o falecimento, é necessário abrir o inventário, um procedimento judicial ou extrajudicial que visa apurar os bens, direitos e dívidas do falecido e realizar a partilha entre os herdeiros. 

Somente após a conclusão do inventário e o registro formal da partilha é que o cônjuge sobrevivente terá a propriedade formal da sua quota-parte da herança, incluindo o imóvel.

Se o cônjuge sobrevivente for o único herdeiro, após a conclusão do inventário, ele terá a plena propriedade do imóvel e poderá vendê-lo livremente. 

No entanto, se houver outros herdeiros, a venda do imóvel herdado dependerá do consenso de todos os coproprietários, ou que seja oferecido antes aos demais coproprietários o exercício do direito de preferência. 

É importante mencionar que, mesmo antes da conclusão do inventário, em situações excepcionais e com autorização judicial, pode ser possível a venda de bens do espólio, incluindo o imóvel, desde que haja necessidade e benefício para todos os herdeiros.

 

Usufruto vitalício: Direito garantido por lei

A legislação brasileira assegura ao cônjuge sobrevivente, em alguns casos, o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, independentemente do regime de bens e sem prejuízo da sua participação na herança. 

Esse direito, previsto no artigo 1831 do Código Civil, garante que o cônjuge sobrevivente possa permanecer residindo no imóvel familiar enquanto viver, desde que esse seja o único imóvel residencial a inventariar.

O usufruto vitalício, embora distinto do direito real de habitação, também pode surgir em contextos de herança. 

Ele consiste no direito de usar e fruir do bem (como alugar e receber os frutos), sem ter a propriedade. O usufruto vitalício pode ser estabelecido por lei ou por disposição de última vontade do falecido (testamento).

Em relação ao imóvel de herança, o cônjuge sobrevivente pode ter direito ao usufruto vitalício de uma parte dos bens do falecido, conforme previsto no artigo 1832 do Código Civil, quando concorre com descendentes. 

Esse usufruto recairá sobre um quarto da herança, se houver descendentes, e não incidirá sobre a sua meação (se houver).

O direito real de habitação é mais específico e garante a permanência no imóvel residencial familiar, enquanto o usufruto vitalício pode abranger outros bens e confere mais poderes ao usufrutuário (como o de alugar o bem).

 

Benfeitorias no imóvel herdado: Quem tem direito?

Durante o casamento, podem ter sido realizadas benfeitorias no imóvel que posteriormente veio a ser herdado por um dos cônjuges. 

Em caso de falecimento do proprietário original e partilha do imóvel, surge a questão de como essas benfeitorias serão consideradas.

As benfeitorias podem ser necessárias (indispensáveis à conservação do bem), úteis (aumentam a utilidade do bem) ou voluptuárias (de mero deleite ou luxo). 

De acordo com o Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo, inclusive, exercer o direito de retenção (não entregar o bem até ser indenizado). 

Quanto às benfeitorias voluptuárias, elas não são indenizáveis, mas podem ser levantadas pelo possuidor, desde que não causem dano ao imóvel.  

É fundamental analisar cada caso concreto e buscar orientação jurídica para garantir que os direitos relativos às benfeitorias sejam devidamente considerados no processo de inventário e partilha.

Lembre-se:

A questão de saber se no imóvel de herança o cônjuge tem direito é complexa e multifacetada, envolvendo a análise do regime de bens, a existência de outros herdeiros, a situação do casal no momento do óbito e a natureza dos bens. 

Diante da complexidade da legislação sucessória, é sempre recomendável buscar a orientação de um advogado especializado em direito das sucessões para analisar o caso específico e auxiliar na condução do procedimento.

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Autor:

Dr. Antonio Carlos Ramos Pinto

Responsável técnico pelo Ramos Pinto
Advocacia e editor do portal Direito da Família. É
advogado e docente de ensino superior com
mais de 30 anos de experiência, exercendo suas
atividades profissionais em direito de família e
sucessões, direito constitucional e gestão
educacional.

Ramos Pinto Advocacia

Sua atuação jurídica é baseada no exercício de um Direito ético, humano, compreensível
e empático, sempre atento às necessidades específicas dos clientes e suas famílias.

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